segunda-feira, 27 de setembro de 2010

A azia do dólar

É um debate menor só discutir fluxos e câmbio, já que insuficiente para um problema estrutural


A tendência de forte valorização do real incomoda, preocupa e não há o que fazer, além de “comprar, comprar”, como diria o ministro Guido Mantega, todo o fluxo líquido de dólares que chega ao país.

Se os dólares “ociosos” não fossem enxugados, o câmbio já estaria no nível de R$ 1,50, segundo algumas projeções. É o que aconteceu antes da grande crise de 2008, puxada, como hoje, pela retomada do investimento e do consumo doméstico, cortando produção exportável — absorvida pelo mercado interno — e inflando as importações.

E assim será a cada ciclo de crescimento — e só acabará quando a oferta, função do investimento, se equilibrar à demanda, e deixar excedentes para exportação em volume compatível com as remessas de lucros e juros derivados dos capitais internados no país.

Por coisas assim é que a Índia veda o giro de sua dívida pública pelo capital externo de curto prazo e desestimula os investimentos de empresas estrangeiras em setores que não gerem exportações.

No Brasil, essa discussão nem existe. Só se discutem os fluxos de dólares e a taxa de câmbio. É um debate menor, já que insuficiente para um problema cuja solução contempla o aumento do investimento, com foco na transformação estrutural da economia, e a renda futura do pré-sal. O tratamento apropriado demanda concepções de política industrial, e não só financeiras, com pitadas de indução fiscal.

O investimento para aumentar a oferta é o antídoto contra o para-anda da economia, acionado toda vez que a inflação e o deficit em conta corrente ameaçam desgarrar. Como se para? Com o aumento dos juros pelo Banco Central e corte de gastos públicos pela Fazenda.

Na sequência, o investimento empresarial desacelera, o desemprego reaparece, o deficit e inflação desinflam, mas não necessariamente implicam mudança da taxa cambial, e a economia em um a dois anos está pronta para voltar a crescer, ou seja, andar depois de parar.

Não se chegou a tanto, mas se pode estar nessa rota. Os deficits externos, segundo análise do Bradesco, apontam para US$ 51 bilhões este ano (2,6% do PIB), contra US$ 23,4 bilhões (1,6% do PIB) em 2009, e devem atingir US$ 69 bilhões (3,1% do PIB) em 2011.

Tais deficits são perfeitamente financiáveis — à luz dos cenários da economia global em 2011 —, mas vão formando uma bola de neve, já que cumulativos, exigindo cada vez mais superavit comercial e capitais externos para fechar a conta. A economia tende a perder autonomia, tornando-se dependente do humor dos mercados globais.

Influências políticas
A discussão nos bastidores de um provável governo Dilma Rousseff — antecipada por Mantega com seus alertas sobre os malefícios da apreciação do real — tem tal enfoque: reaver a competitividade das exportações e livrar a produção interna de importações favorecidas pelo câmbio forte, preservando, além disso, a aceleração da taxa de investimentos e o ritmo do consumo, sem maior aperto fiscal.

Essas condicionantes não são compatíveis e revelam influência de áreas políticas sobre as diretrizes da macroeconomia. Alguma dose de aperto haverá. Talvez não baste apenas redirecionar o projetado aumento de arrecadação para o investimento e superavit primário, a receita da equipe de Mantega para fazer omelete sem quebrar ovos.

O rodo que não seca
Não é que não haja alternativas às compras de divisas pelo Banco Central e incorporadas às reservas do país, que só têm crescido, já estando em US$ 273 bilhões. Ou pelo Tesouro, restrito ao serviço da dívida pública externa. Ou pelo Fundo Soberano do Brasil (FSB), conforme desejo de Mantega. O FSB poderá aplicar seus dólares, por exemplo, em linhas de crédito do BNDES ao importador de bens brasileiros.

Como modelo operacional para o FSB, faz sentido e é necessário. O duvidoso é que ajude a minguar o real, se a experiência do BC, que intervém no câmbio sem limite, argumento de Mantega para por o FSB na roda, revela a pouca eficácia dessa ação para rebaixar o real. Na prática, o valoriza, como adverte o especialista Sidney Nehme.

E virá mais dos EUA
O que vai ficando claro é o esgotamento de algumas linhas de ação da política econômica, enquanto há sinal de que o dólar terá outra onda de desvalorização, passada a eleição legislativa nos EUA em 2 de novembro. Foi o que insinuou, semana passada, o presidente do Federal Reserve, Ben Bernanke. Os capitais ociosos sairão em busca de opções rentáveis, imbatíveis no Brasil com Selic de 10,75% e a inflação ao redor de 5%, e de baixo risco, pelo menos por mais um ano. Se isso for para já, as providências também terão de ser.

A guerra é dos outros
Consumo encolhendo, desemprego aumentando, juros no ponto zero da régua, cidadãos enfurecidos e risco de o governo perder a maioria na Câmara e talvez no Senado levam os EUA para o corner. Mas como têm o monopólio do dólar, as demais economias é que viram a bola da vez, com o governo Barack Obama segurando o taco para enfiar na caçapa quem estiver desprevenido. Com os juros recordes no mundo e o consumo aquecido, o Brasil é candidato a sentir as dores dos EUA pelas inconsistências da economia — do câmbio flutuante, sem haver poupança fiscal que o influencie, aos desalinhamentos acertados, já nem importa as razões, com juro de dois dígitos. Ou são criadas barreiras, mesmo temporárias, que protejam a economia das disputas cambiais pelo mundo ou vai-se acabar lutando a guerra dos outros.

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