Real forte é como febre: sintoma de problemas, não de que o mundo está de quatro para o Brasil.
Os técnicos da Fazenda estão arrancando as sobrancelhas na tentativa de encontrar soluções para a nova onda de valorização do real. Ela está aí como tendência forte, apesar de o Banco Central comprar as divisas que entram no país, e um pouco mais, sem conseguir deter a queda do dólar, também um fenômeno global. Não há resposta fácil.
Às tais intervenções do BC, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, cogita agregar o Fundo Soberano, sempre na suposição de que, como ensinam os manuais da economia, o bem tornado escasso tende a ter o seu preço aumentado. Se for só isso, será outra frustração.
A formatação do mercado de câmbio no Brasil dá razão ao aforismo segundo o qual, na prática, a teoria é outra. O BC acumula reservas de US$ 265,1 bilhões, US$ 25,5 bilhões maiores que tal posição no início do ano. Em 15 de setembro de 2008, precisamente dois anos atrás, dia da quebra do Banco Lehman Brothers, eram de US$ 207,5 bilhões. Depois de uma desvalorização movida pelo pânico, que pôs o dólar a quase R$ 2,50, o real voltou a ganhar massa sem parar.
Um mês atrás, a taxa era de R$ 1,763. Em 4 de janeiro, R$ 1,723, preço de ontem, depois de ensaiar o patamar de R$ 1,60 na véspera. No melhor cenário, as intervenções do BC têm servido para abrandar a contínua apreciação do real, mas sem força para desvalorizá-lo.
se o Fundo Soberano repetir tal atuação, como já faz o Tesouro, a tendência dificilmente mudará. O câmbio é um dos principais preços da economia. O que ele expressa é para ser lido como uma narrativa do que vai a um país e às suas relações com a economia mundial.
Equilibrá-lo, evitando oscilações abruptas, é tarefa monumental, pois não existe a gangorra sugerida pelo par real-dólar, moeda das transações comerciais e financeiras do mundo, mas que interage com todas as demais dos países com os quais haja algum intercâmbio. De verdade, o câmbio é como um móbile de múltiplas hastes que vão para um lado e para outro. A rigor, só se livra desse balanço quem se fechar para o mundo, o que é impossível. Mas há os cambalachos.
Alguns países gerenciam a taxa cambial, com a reprovação do Fundo Monetário Internacional e da Organização Mundial do Comércio. Mas fazer o quê? A China colou sua moeda ao dólar em 2008, como fizera no passado, retomando a prática com a crise global. Outros países administram os fluxos de entrada ou saída de capitais, ou ambos.
O câmbio no armário
No Brasil, onde vigora o regime de câmbio flutuante a partir da maxidesvalorização do real em janeiro de 1999, não há estratégia voltada para a geração de superavits comerciais massudos, a meta dos governos mundo afora que se escudam na fraqueza cambial para compensar mazelas de política econômica, como fazem EUA e China.
Com as intervenções do BC no mercado à vista e muitas vezes no mercado futuro, a flutuação aqui é como alguém preso às opções mal resolvidas. No armário, é uma coisa. Fora, é outra. Paga-se agora o preço das opções não assumidas. FHC as empurrou. Lula, também.
Resquício do passado
Câmbio flutuante sem abertura de capitais plena nunca será movido pela disponibilidade de divisas no mercado, ou seja, por deficits ou superavits da balança comercial e da conta de capitais. E fica mais indefinido, se acionado como coadjuvante contra a inflação.
A China policia os dois movimentos de capitais externos. A Índia, mais as entradas. No Brasil, BC e Fazenda, instâncias responsáveis pela política cambial, olham mais as saídas. É resquício de quando crises arrasa-quarteirão começavam sempre com deficits externos. O resultado era severa escassez de divisas, colapso do balanço de pagamentos, moratória branca ou formal, e recessão para gerar, na marra, excedentes de produção destinados às exportações. Fazenda e BC já desmontaram parte desse aparato. Mas falta fazer mais.
O alerta de Krugman
A questão é se seria conveniente com a economia global em crise e em transformação tentar compensar as forças que movem a apreciação do real — decorrente da entrada de mais divisas do que necessita a economia para saldar os pagamentos e investimentos externos —, com a criação artificial, no país, de demanda por moeda estrangeira.
Esse é um dado nevrálgico a considerar. Outro é o risco de que as economias avançadas mandem para cá a armadilha de liquidez, criada pelos excessos de emissões anticíclicas, em que estão enfiadas. O economista Paul Krugman fez tal alerta em seu blog. Mas a formação de reservas tem um custo brutal, já que o Tesouro se endivida para que o BC as acumule. O país não tem poupança. É nó de marinheiro.
Irrealismos do real
Estamos assim: o governo decidiu aumentar o capital da Petrobras, que começará a explorar o pré-sal com o dinheiro amealhado com a venda das ações. Boa parte dos acionistas reside no exterior. Isto é: virão mais dólares para apreciar o real. Mas qual é o problema de fundo? O programa de investimento da Petrobras seria excessivo? Ou falta poupança fiscal ao governo, que a controla? Ou há muito mais coisas do que supõe a filosofia barata no entorno do câmbio?
De tudo há um pouco. E as distorções se acumulam. Com as reservas do BC, por exemplo, acumula-se a dívida pública, formada ao custo da Selic para “criar” reais pelos quais os dólares são trocados. E depois esterilizar nos bancos os reais resultantes. Pode-se parar por aqui: o problema não é o câmbio, mas o que o faz ser o que é.
quinta-feira, 16 de setembro de 2010
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