segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Chicago quer abraçar o Brasil

Faltam 60 segundos para abrir o pregão a viva-voz da Chicago Board Of Trade (CBOT). Centenas de operadores aglomeram-se em rodinhas, preparando os pulmões para mais um dia de intensa negociação. A partir das 9h30, seus berros e gestos traduzirão o pulso do mercado de produtos agrícolas em todo o mundo, definindo preços futuros de milho, soja, trigo e outros grãos.
É uma cena que, no Brasil, ficou na saudade (ao menos dos operadores de pregão) depois que os computadores tomaram conta das transações na Bovespa e na BM&F. Pois na terra do blues o calor humano ainda prevalece, apesar de representar apenas 10% dos negócios
No andar de cima, turistas observam as rodinhas a partir de janelas gigantes. Cada grupo de visitantes ouve gravações em inglês ou no próprio idioma. Na manhã da sexta-feira 3, dezenas de agricultores brasileiros aguardavam a abertura dos negócios e aprendiam a importância do que acontecia lá embaixo. A CBOT, quem diria, também fala português.
Não só fala como aposta pesado no País. “Temos 5% da BM&FBovespa e muitos projetos em comum. O Brasil é, de longe, a nossa ligação internacional mais importante”, afirma Craig Donohue, presidente do Grupo CME. Ele recebeu a DINHEIRO em seu escritório na elegante South Wacker Drive, a cinco quadras do pregão mais barulhento dos Estados Unidos.
Além da CBOT, o conglomerado que ele dirige é dono de outras três bolsas emblemáticas: a Chicago Mercantile Exchange, a Comex e a Nymex. Juntas, elas formam o maior mercado de derivativos (instrumentos financeiros para proteção e especulação) do mundo.
Em seus ambientes de negociação a viva voz ou eletrônicos, investidores, empresas e governos realizam milhões de operações diariamente envolvendo preços futuros de ações, moedas, commodities agrícolas e minerais, metais, taxas de juros, energia e até mesmo clima e propriedades imobiliárias.
Os números são impressionantes. Somente em 2009, foram 2,6 bilhões de contratos futuros e de opções, cujo valor somado chegou a US$ 813 trilhões – cifra equivalente a 450 vezes o PIB brasileiro.O CME é, por assim dizer, o melhor termômetro do humor dos mercados globais com relação ao futuro econômico, seja ele próximo, seja distante.
Nessa gigantesca bola de cristal, aparecem índices de ações, barris de petróleo, safras de milho e barras de ouro, entre dezenas de produtos. Presidente do grupo desde 2004, Donohue dirige negócios que se espalham por 85 países e são realizados sete dias por semana, 24 horas por dia.
De seu privilegiado posto de observação em Chicago, ele vislumbrou o potencial do Brasil como economia emergente e comandou o casamento de interesses com os corretores brasileiros. A primeira aliança foi com a BM&F, antes da abertura do capital.
A segunda, com a BM&FBovespa, resultante da fusão entre as duas grandes bolsas nacionais. No início de 2010, a BM&FBovespa elevou para 5% (cerca de US$ 1 bilhão) sua participação no capital do Grupo CME, que garantiu a mesma fatia na noiva brasileira. “Estamos felizes com a parceria”, disse o executivo.
Pelo acordo, investidores do Exterior podem usar o sistema operacional do CME para realizar negócios diretamente na BM&FBovespa e vice-versa. Os operadores estrangeiros já podem transacionar todos os contratos futuros e de opções da BM&F. Os brasileiros, por enquanto, fecham apenas contratos futuros no CME. Pelo menos 25 grandes clientes do grupo já fazem o direcionamento de ordens para o Brasil.
“Os negócios estão crescendo e já atingem, em média, 200 mil contratos por dia”, comemora Donohue, referindo-se às ordens dos Estados Unidos para o Brasil. No caminho inverso, as operações ainda são tímidas, de dez mil a 15 mil contratos por dia.
Mas esta é apenas a ponta do iceberg. Os dois sócios estão desenvolvendo uma plataforma de negociação que permita fazer transações com vários ativos. Será um sistema de última geração, a ser usado no Brasil e vendido a outras bolsas.
No futuro, novos produtos com apelo local e internacional serão lançados para aumentar os negócios mutuamente. Além disso, o CME e a BM&FBovespa são parceiros preferenciais na compra de participações em outras bolsas do mundo.
A expansão em várias praças é parte essencial da estratégia de Donohue para transformar o CME numa organização verdadeiramente global. Hoje, o grupo é visto por seu presidente como uma empresa americana que oferece negócios de apelo global a clientes globais.
A maior parte das transações ainda acontece no horário comercial americano. Para mudar isso, ele costurou acordos de participação em bolsas de quatro países: Brasil, México, Malásia e Dubai (veja quadro). Também está desenvolvendo produtos especiais para ampliar os negócios na Índia, na Coreia do Sul e no Japão.
Ao oferecer contratos estrangeiros em moeda local, Donohue quer aumentar a liquidez de seus mercados principais, Chicago e Nova York, conquistando clientes nos quatro cantos do globo. “Estamos em fase de transição. Tomamos medidas concretas para nos tornarmos uma empresa global. É um processo que levará dez anos para ser concluído”, diz Donohue. O futuro, para ele, já começou.
O presidente do CME, Craig Donohue, falou à DINHEIRO sobre a importância do País para o grupo e a sucessão presidencial. Acompanhe:
Por que decidiu ter participação cruzada com a BM&FBovespa?
Para alinhar nossos interesses. Podemos cooperar e competir. Se a bolsa brasileira der um passo para negociar contrato de soja, com pontos de entrega no Brasil e baseado no nosso contrato, não ficaremos preocupados. O sucesso da BM&FBovespa é o meu. Estamos felizes.
Por que o Brasil é tão importante?
É uma das economias que mais crescem no mundo. E tem uma sofisticação muito grande no mercado financeiro. Gostamos das perspectivas de crescimento. Quando investimos na BM&F, vislumbrávamos o crescimento na negociação eletrônica, a abertura do acesso ao mercado, as transações com algoritmos. Entrar antes do IPO (da BM&F) foi uma coisa muito inteligente. Sabíamos dos planos de consolidação com a Bovespa, de criar uma bolsa dominante na América Latina, um superpoder regional.
Como vê as perspectivas para o Brasil após as eleições de outubro?
Sou otimista. Meus colegas brasileiros estão muito confiantes, não veem uma grande mudança de rumo. Os progressos serão mantidos e o foco na saúde da economia vai continuar. Espero que seja verdade.

Nenhum comentário:

Postar um comentário