quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Mantega prometeu impedir a apreciação do real - e agora há o risco de o mercado peitar a aposta

Foi o ministro Guido Mantega declarar que o governo vai “comprar, comprar” todos os dólares que chegam ao país para turvar o clima no mercado financeiro sobre a estratégica e mal resolvida questão cambial. O temor do governo é que o real passe por outra onda de valorização. O risco é o mercado peitar a aposta.
No mercado cambial, mais que nos demais, como o de ações, normal é o governo fazer antes o que cogita e só explicar depois por que fez. Mercado com forte concentração de operações especulativas em escala global, além de muito influenciado pelos contratos de venda ou compra de divisas a futuro, qualquer ruído soa como estrondo.
E mais aqui que em outras praças, já que as regras regulatórias reprimem o mercado à vista, em que há troca física de reais por dólares e outras moedas, e deixam solto o mercado futuro, surgindo daí distorções mal compreendidas até pelos economistas.
As análises sobre o que vai ao câmbio do par real-dólar têm sido, em regra, pueris. Há duas correntes irreconciliáveis.
Uma exalta as virtudes da economia em relação aos países ricos em crise. Ela advoga que o real forte reflete a descoberta do Brasil pelos investidores estrangeiros. Além disso, a desvalorização do dólar é um problema global, que atinge as moedas de países em que o câmbio é flutuante, como aqui - e não fixo, como na Rússia, ou flutuante no papel e, na verdade, colado ao dólar, como na China.
Conclui-se por aí que não há o que fazer, exceto atacar problemas estruturais de custos que oneram as exportações brasileiras, como impostos e logística deficiente. A superação dessas dificuldades equivale à depreciação do real, e sem impacto inflacionário.
A outra corrente, com a qual o ministro Mantega parece concordar, resiste a seguir o conselho da então ministra do Turismo, Marta Suplicy, durante o caos aéreo: relaxar e gozar. A questão é o que fazer além do que já fazem o Banco Central e Tesouro Nacional com as compras maciças de dólares no mercado sem provocar inversão de tendência de sua cotação no mercado brasileiro.
Juízo certo e parcial
Ambos os juízos estão corretos. O Brasil está no radar do capital estrangeiro, o de raiz, das multinacionais, que entram para ficar, e o financeiro, mais volátil, sobretudo o aplicado nos títulos da dívida pública e em ações. Entre todas as modalidades dos dólares que chegam, este é o mais pernicioso. Ao menor sinal de risco, cai fora, podendo detonar o tal “efeito manada” do capital.
Mas é com o hot money que o país tem zerado nos últimos meses os déficits em conta corrente, já que a fatia do investimento direto estrangeiro das multinacionais evolui, até pelo marasmo global, abaixo das necessidades de financiamento externo. Que vão crescer quanto mais o consumo interno e o ciclo de investimentos demandem importações, encolhendo o superávit da balança comercial.
Nada parece funcionar
Em princípio, os déficits externos, que explicitam a necessidade de financiamentos para fechar o balanço de pagamentos do país, não deveriam ser um resultado negativo, se implicassem desvalorização do real. É o que se espera do câmbio flutuante: depreciação, se um país começa a depender de funding externo para fechar suas contas.
Mas o Brasil tem reservas de US$ 268 bilhões com as quais passou sem grande aperto pelo pior da crise global. Como seguro contra os movimentos de aversão ao risco, elas atenuam a queda do real.
Então o real não se deprecia, mesmo diante dos déficits externos e das intervenções do BC enxugando as divisas resultantes do fluxo liquido de capitais. Ao contrário, tal movimento freia sua queda.
O que valoriza o real
Se no Brasil os juros dos papéis do Tesouro, sem risco e líquidos como dinheiro na mão, são bem maiores que nos EUA, na zona do euro e no Japão, onde a liquidez aflora como água na torneira, e a taxa de câmbio se expõe à influência do mercado futuro, muito maior que o à vista, tudo vira um negócio rentável.
Bancos e fundos usam seu crédito externo para entrar com dólares, vendê-los ao BC, aplicar os reais a juros e saborear a valorização entre os intervalos de entrega das divisas e liquidação da operação lá fora.
Sem trancar este canal ou reduzir a assimetria dos juros, não há o que fazer.
Volta de idéias tabus
O problema do real apreciado numa economia em que o resultado das intervenções cambiais conduzidas pelo governo é sistematicamente negado pela prática leva a que se cogitem soluções radicais. Para o especialista Sidnei Nehme, da corretora NGO, está “evidente que o Brasil precisa ter um sistema cambial híbrido e não flutuante”.
Nehme levanta um tema tabu: o câmbio fixo ou quase isso, como em várias economias emergentes e no Brasil do primeiro mandato de FH. A sistemática de inchar reservas, como diz, já está consumada, não mais se justificando aumentá-las como proteção ao país.
O custo é enorme para a política fiscal - cerca de US$ 20 bilhões ao ano, nas simulações do professor Marcio Garcia, da PUC-Rio.
Ao mesmo tempo, o bom momento do Brasil reduz os riscos para quem vem de fora aplicar em ativos nacionais, o que atrai toda espécie de capital, inclusive, segundo Nehme, o de “má qualidade”. E isso numa situação em que falta ao governo poupança interna, o que leva o Tesouro a se endividar, e condições para operar juros menores.

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