quarta-feira, 22 de setembro de 2010

O samba de uma nota de dólar só

QUANDO O dólar chegou à casa de R$ 1,71, o governo abriu a caixinha de ferramentas das intervenções no câmbio. Primeiro, passou a falar em público sobre intervenções. Segundo, abriu a porteira do Tesouro Nacional, agora liberado para comprar dólares à vontade. Terceiro, disse que pode vir mais.
Quando o dólar baixou a R$ 1,71, em outubro de 2009, o governo decretou o imposto (IOF) de 2% sobre investimentos, de não residentes, em ações e títulos de renda fixa.
Mas continuou a entrar dinheiro para aplicações em renda fixa e em ações de empresas brasileiras. Aliás, o fluxo aumentou, em termos absolutos e em relação ao PIB. No acumulado de 12 meses até agosto, investimentos em Bolsa e em títulos do governo continuaram a crescer, indicam os dados divulgados ontem pelo Banco Central.
Além do mais, juros e "spreads" de financiamentos externos vêm caindo. Isto é, parece que o custo do dinheiro não aumentou por causa do IOF, como diziam os críticos. O investimento estrangeiro direto ("na produção"), que não leva IOF na testa, é que passou a entrar mais devagarinho desde o ano passado.
Pode-se dizer que, sem IOF, teria entrado mais dinheiro, a custo menor. Pode ser. O futuro do passado é tão difícil de prever quanto o futuro do presente. De resto, o mercado de divisas não funciona como uma feira de bananas.

PISO?
Não faz muito sentido dizer que R$ 1,71 é um piso, nem que o dólar está onde mais ou menos esteve desde outubro do ano passado. Na prática, em termos reais, houve valorização do real. A fim de manter o "piso real", seria preciso que o dólar estivesse hoje pelo menos a R$ 1,77. Em relação à cesta de moedas de países com os quais o Brasil mais comercia, seria preciso que o real tivesse se desvalorizado uns 10%.
A conversa que mais se ouve nos corredores mais "ortodoxos" do governo é, óbvio, que não há piso nenhum, que se procura apenas reduzir a volatilidade do câmbio, dar atenção a fluxos excepcionais de dinheiro etc., a história de sempre.
O caso excepcional de agora seria a brutal entrada de dólares que comprarão ações da Petrobras, afora a alegria primaveril das empresas brasileiras, que aproveitam juros baixos e o redespertar dos mercados do Norte para captar bilhões.
As alas "menos ortodoxas" do governo estão falando pouco, um tanto assoberbadas pela política eleitoral. Mas começaram a falar mais grosso quando viram o dólar na casa suspeita do "171" e suspeitaram de um "movimento amplo" de desvalorizações competitivas pelo mundo (desvalorizar a moeda para exportar mais), o que não parece estar acontecendo, por ora.
Em suma, nem apocalípticos nem integrados parecem ter muita razão sobre os efeitos daninhos ou positivos da intervenção no câmbio. Os efeitos do IOF foram cinzentos. Mas tentar lidar com o câmbio apenas abrindo a porteira da compra de dólares pode ser outra história.
O custo da dívida feita para comprar os dólares em excesso está em torno de 1% do PIB, por ano. Isso num contexto de juros básicos mais altos e superavit fiscais primários menores -isto é, de risco de deficit público maior. Essa intervenção de uma nota só pode custar muito caro para pouco efeito.

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