quarta-feira, 5 de maio de 2010

Empiricus de 05 - 05

Considerações sobre o sell-off da terça
Como as coisas não andam nada bem nos últimos dias, nos vimos na obrigação de abrir este espaço para algumas considerações importantes sobre o sell-off de ontem. A simples inciativa de debater o assunto, por si só, já indica o quanto ele é relevante, sendo que não há como esfriar a questão em prol de um contexto mais favorável para o debate, recorrendo ao velho
oportunismo daqueles que esperam a sobriedade de days after para se expor. A atmosfera ruim é ideal para um melhor entendimento do case, pois mantém acesa uma série de nuances que nos levam a acreditar que este sell-off não se sustentará sob seus próprios argumentos.
Cada questão que motivou e ainda pode disseminar uma fuga dos ativos de risco foi esmiuçada por nossa equipe, que abordou os temas mais preocupantes e não encontrou motivos suficientes que justifiquem uma alteração em nossa percepção de mercado. De maneira geral, acreditamos que os tombos seguidos da bolsa não envolvem fundamentos plausíveis para caracterizar uma inversão de tendência.
Apesar do ambiente turbulento, o racional para a renda variável brasileira segue sustentado pela elevada liquidez internacional, pelos fundamentos macroeconômicos sólidos e pelas projeções de crescimento dos lucros corporativos. Portanto, firmamos nosso otimismo com a bolsa, concientes que a aleatoriedade do curtíssimo prazo muitas vezes é perversa, mas
guarda boa recompesa aos que mantiverem o racional.
Porque não é inversão de tendência?
Durante a tarde da terça-feira, recebemos algumas manifestações preocupadas com os prováveis rumos do mercado depois deste sell-off. Lá fora, a questão não chega a ser tratada da mesma maneira, até porque o Ibovespa foi pego no contrapé pelo contágio dos mercados
globais ontem. Wall Street e quase todo o mundo havia subido na segunda, mas o Ibovespa sofreu aquele derretimento da Petrobras...É sempre mais difícil se levantar de dois tombos seguidos, pela carga psicológica que se acumula – o que era aversão ao risco vai tomando proporção de trauma para quem recém se recuperou de um grande susto.
“It is part Greece, part oil disaster and part unsuccessful terrorist plot and everyone is running for safety”, foi o que disse Stuart Hoffman, economista-chefe da PNC Financial.
Colhemos este depoimento dentre outros mais acalorados e alguns bem menos
preocupados, que tratavam o sell-off como nada muito além de uma realização forte. Esta última interpretação pode ser desacreditada dado o número de eventos desfavoráveis no radar do mercado (que serão tratados um a um em seguida), mas se torna mais sensata quando exposta a outro contexto.
Notem que os problemas da Grécia e as prováveis extensões à Espanha e demais Pigs não são novidade para ninguém. Que tal associar ao aperto chinês, não menos pré-anunciado, ou à mancha de óleo no Golfo, que pode ter efeito isolado sobre a BP, mas já retirou US$ 32 bilhões de valor de mercado da big oil comp. (e consequentemente do mercado) – este
último, entre os argumentos de Hoffman.
Quando todos os motivos vêm juntos, o gatilho inevitavelmente é disparado. Principalmente quando há vontade de apertá-lo. Por mais que o Ibovespa esteja negativo no ano (-5,4%) e represente um dos três piores mercados emergentes de 2010 em dólares junto de China e Taiwan, os índices americanos vinham para lá de bem. Para se ter uma ideia, o Dow Jones
somava +7% no ano até ontem – nem iremos entrar no detalhe do componente growth que estes emergentes incluem.
Apesar de circularem relatos de realização, acreditamos que os motivos de ontem vão um pouco além, não a ponto de comprometer o racional para o mercado, mas pelo fato de envolver um fly to quality. Notem que não foram apenas os ativos de risco que sofreram migração para posições de maior segurança em Treasuries (a procura levou os yields de 10 anos a queda de 9bps) ou ouro, mas o euro perdeu valor para o dólar e as commodities (de
certa forma, também “ativos de risco”) desabaram.
Portanto, as motivações dos agentes refletem incerteza com os prováveis desdobramentos da economia, mas nossa percepção é que esses fatores de ameaça são insustentáveis ao longo do tempo, refutando a hipótese de uma tendência bear para o mercado. Vejamos os porquês: + Grécia
A página principal do noticiário, ao nosso ver, traz uma manchete das menos relevantes. O problema da economia grega não é necessariamente o risco de default da dívida, mas a falta de produtividade (leia-se competitividade). Os preços na Grécia estão bem mais altos do que
na maioria dos países da zona do Euro, o que limita os esforços da manufatura local e impossibilita o produto de angariar mercado out of boarders. A saída natural seria uma desvalorização da moeda, mas essa possibilidade é inviabilizada desde que o euro se fez presente.
É uma questão de crescimento a se atentar, mas que traz pouco impacto diante da relevância do PIB grego. Quanto a um provável default da dívida, além de resgatado e precificado, interpretamos a Grécia como laboratório de experiências da UE para avaliar o que se deve ou não fazer para evitar um risco de contágio a posteriori, principalmente da Espanha, esta
sim que traria impactos contundentes.
+ O problema é a Espanha
Diferentemente da Grécia, estamos falando da nona economia do mundo, de um PIB de US$ 1,5 trilhão. Quanto ao problema fiscal espanhol, a relação dívida/PIB do país (53,2%) não chega nem perto da grega (115%) e está em patamar um pouco abaixo da média da UE. O que impressiona é a piora do país no pós-crise. Esta relação dívida/PIB dobrou de 2008 para
2009, enquanto outras métricas indicam que o problema do país é mais embaixo.
Notem este gráfico da Fortune de evolução da taxa de desemprego do país. O fator de pressão da economia é o mercado imobiliário, que representou mais de 20% do PIB no ano passado e emprega(va) cerca de 13% da população. O problema é que o boom da construção civil estourou de maneira mais tardia por aquelas bandas, e o próprio déficit sente isso – por acaso, você sabia que o governo espanhol paga generosos 65% do salário médio do país por
dois anos a todo desempregado que possuia seis anos ou mais de serviço?
O avanço dos problemas sociais na Espanha é um dos motivos de maior preocupação para os próximos anos, e precisa ser monitorado de perto. Ainda assim, voltamos àquela questão do know how obtido com os eventos anteriores e acreditamos que os maiores desafios desta economia se situam em um horizonte mais dilatado. Quanto ao contágio fiscal, parece
que o mercado ao redor do mundo está mais bearish com a situação espanhola do que os próprios espanhóis. O primeiro ministro da Espanha afirmou hoje que um contágio generalizado dos problemas e um consequente default espanhol é afirmação “completamente infundada e irresponsável”. Zapatero, por sinal, é o atual presidente da UE…
+ China bubble
Saindo um pouco da Europa, boa parte das motivações do sell-off veio do aperto de liquidez na China (nem precisa citar que este tema está por trás da queda das commodities e, consequentemente, da amplitude do recuo do Ibovespa – dado Vales, Petros e etc...). Ontem, saiu que a autoridade de local de Pequim vai restringir a aquisição de novos apartamentos a um por família. Como vínhamos manifestando, a China é a típica bolha que ainda vai inflar muito até estourar.
O país vem crescendo mais de 8% por ano faz tempo e qualquer esforço para enxugar liquidez vem em tom favorável ao nosso ver, pois todo mundo sabe que precisa conter o superaquecimento do país e essas medidas passam longe de frear o crescimento; até porque,é de interesse (o principal argumento político é o crescimento) do governo e necessidade social (só crescendo muito para absorver a entrada de 10 milhões de pessoas no mercado
de trabalho todo ano) do país manter a economia aquecida.
Recursos pontuais para suavizar o superaquecimento não indicam necessariamente um cenário de restrição ao consumo de matérias-primas. O gráfico a seguir (emprestado dos nossos amigos também independentes da BCA Research) é prova disso.
+Commodities
Como acreditamos ser insensato apostar em um cenário de forte contração na demanda chinesa por basic materials, acreditamos ser infundado um baque mais significativo sobre os contratos futuros das principais commodities. Ontem, o petróleo bruto para entrega em três meses caiu 3,7% em Londres. Voltamos ao gráfico para lembrar que os próximos três meses envolvem bem o período de maior demanda por oil no ainda maior consumidor do mundo
EUA, com a chegada da temporada de verão. Os dados de estoques americanos do produto devem indicar aumento não por restrição de demanda, mas por antecipação a este período, uma vez que as condições de oferta seguem praticamente intactas, sob os olhares da Opep.
Apesar dos efeitos sobre o lado real da economia, os preços do petróleo têm impacto limitado sobre a heavyweight Petrobras na atual conjuntura, uma vez que a estatal segue limitada aos desdobramentos da capitalização. O ativo que mais pesou no sell-off de ontem foi da Vale, em meios aos temores de enxugamento da demanda e temor de nova taxação sobre a mineração. Conforme detalhamos no Empiricus da segunda-feira, acreditamos que a mineradora deve outperformar o mercado no curto prazo - a seguir explicamos o porque de não nos preocuparmos com esta história de taxação.
+ Austrália
Os australianos estão propondo um imposto de 40% sobre os lucros das empresas do setor a partir de 2012. Como Lobão havia citado a possibilidade de elevar royalties para a mineração, o mercado aproveitou a criatividade australiana e pensou: a próxima é a Vale!
Antes de tudo, Lobão já não é mais o ministro. Segundo, basta olhar para a carga tributária da mineração no Brasil para ver que royalties é o de menos e não sobra muita margem para elevar os impostos sobre o setor, que pesa muito na balança comercial e é de certa forma ignorado pelo governo (“Minas e Energia”, na prática, é só Energia). Lobão fora já é um ótimo
negócio e australianas taxadas (brasileiras não) é melhor ainda em termos de competitividade.
+ EUA: regulação bancária + Fed Funds
De maneira impressionante, os Estados Unidos viraram coadjuvantes entre os fatores de pressão para o mercado. Os indicadores de ontem mostraram que a economia do país segue seus esforços de recuperação gradativa, com algumas preocupações especiais (budget e mercado imobiliário), mas sinais positivo de diversas fontes, em especial indústria e consumo.
Acreditamos que o Fed irá atuar de maneira precisa na retirada dos estímulos (pois o impacto social do desemprego segue em foco), sem precipitação uma vez que vêm tocando as estratégias de saída em outras frentes, como o mercado de Treasuries e medidas de afrouxo quantitativo.
Sobre os bancos, a pressão de Geithner por maior controle das ferramentas financeiras não chega a ser motivo de preocupação. Não é de hoje que ressaltamos a flexibilidade e velocidade de inovação dos produtos financeiros, que encontram um derivativo que desvie de qualquer restrição legal. Vai ser aquele jogo de gato e rato – com o regulador sempre
correndo atrás..
+ Racional afirmado
Passando por todos os principais fatores de pressão que motivaram o sell-off de ontem, não encontramos evidências sólidas para acreditar em uma tendência bearish no mercado de ações doméstico. Pelo fly to quality e as amarras da bolsa ao investidor gringo, acreditamos que a incerteza em relação a estes tópicos torna o curto prazo mais desafiador para a renda
variável, mas não a ponto de questionar a validade de nosso racional.
Nos atuais patamares, as ações brasileiras não parecem muito compatíveis com os fundamentos sólidos da economia no presente ou com o futuro promissor que as aguarda.
Esta impressão pode prevalecer a partir de divulgações de resultados acima das expectativas pelas listadas (a começar pela temporada 1T10), fato que convidaria o investidor estrangeiro a voltar.

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